domingo, 24 de fevereiro de 2019

Conheça o Marco Fortes, o grande impulsionador do lançamento do peso em Portugal...

Antes de mais muito obrigado por ter aceitado dar-nos esta entrevista.

É uma honra muito grande falar com alguém que tanto deu e continuará a dar ao atletismo português.

- Li algures que diz que não tinha jeito para atletismo e que era “pequenino” e “gordinho”… Mas que embora fosse o mais fraco, achava engraçado e divertido…

Como se iniciou no atletismo e quando percebeu que afinal tinha algum jeito para a coisa?

Realmente, quando era miúdo a minha fisionomia física era aquela que se podia esperar numa criança que nunca fez desporto nem nenhuma actividade física relevante, e para além de pequenino era gordinho e fraquinho, e a ideia que tinha do desporto era desde muito cedo me tornar grande e forte como o meu pai, que acabou por ser o primeiro exemplo de atleta que tive, pois praticava várias modalidades, futebol ,futsal, basquetebol e atletismo.

Ele trabalhava numa empresa em que estimulavam muito a prática de desporto na altura.

Acabei por me iniciar no desporto muito por essa influencia, e num projeto da câmara câmara municipal de Lisboa que era uma escola de atletismo em cada freguesia, e acabei por me inscrever na escola de Atletismo de uma freguesia ao lado da que eu vivia, porque lá tinha melhores condições.

Nos primeiros anos não tinha muito jeito em comparação com os meus colegas, mas o meu treinador na altura, Manuel Vieira, ensinou-me que com paciência iria chegar muito longe. 

E assim fui trabalhando até que as minhas capacidades foram revelando as minhas potencialidades.

- O Marco dominou o lançamento do peso em Portugal durante 13 anos com muitos títulos e recordes nacionais. É fácil manter o foco quando se está tanto tempo no topo? O que o motivava para ir treinar?

Foram 13 anos de domínio total de uma disciplina que não tinha muita profundidade no nosso país, e tenho um orgulho enorme no meu contributo no desenvolvimento da disciplina. 

Para manter o foco não foi fácil, mas também tive muitos fatores de inspiração externa, a mais significativa foi nunca me terem dado muito crédito ao meu trabalho e essencialmente me dizerem que nunca ia conseguir fazer nada de especial. 

Quando cheguei aos 19 metros diziam que não ia mais além...

Quando fiz 20 metros torceram o nariz... e finalmente depois dos 21 metros é que acreditavam em mim.

Acabou por me tornar muito ambicioso e focado em chegar mais longe.

- O que acha da naturalização de atletas que passam a poder representar Portugal internacionalmente?

Não me refiro a atletas que vieram para Portugal muito novos e que nunca representaram outros países, mas a naturalização de atletas que no passado já representaram outros países.

- Não concordo com a forma como alguns desses processos tem sido conduzidos, pois tornaram as naturalizações em simples e claras contratações.

Portugal tem talento suficiente para que não seja necessário estar a ir buscar atletas a outros países alegando interesses nacionais e questões políticas.

Para mim isso só demonstra falta de visão e pior, um completo desprezo pelo desporto nacional e falta de orgulho Nacional.

Porque não utilizar esses investimentos para realmente fazer a diferença no desporto em Portugal, e desenvolver mais condições e treinadores competentes para saberem desenvolver o talento que existe no nosso país. 

Um atleta tem uma carreira de uma ou duas décadas, um treinador pode desenvolver vários talentos na mesma geração e desenvolver várias gerações de Atletas e depois de outros treinadores.

Seria um melhor investimento...

- Como vê o boom que está a acontecer na corrida de rua? Nas modalidades mais técnicas também está a acontecer o mesmo crescimento?

- Com todo o respeito pela corrida de rua, acho que são duas coisas completamente distintas e que não tem qualquer comparação, seja pela profundidade de cada área e pela complexidade do atletismo de pista e das tecnicas.

É fantástico que cada vez mais gente adere a marcha e corrida, independentemente das idades, do sexo e outras variantes, e pelos benefícios de saúde que proporciona, mas na pista e nas técnicas é muito mais complexo.

Nos dias de hoje o processo de seleção é muito exigente, principalmente se houver perspectivas de alto rendimento.

E está muito relacionado com a qualidade dos técnicos, por isso não basta haver um atleta super talentoso, pois vejo muitos exemplos à  minha volta em que identifico isso, técnicos pouco preparados com atletas de qualidade superior, em que não se sabe se algum dia vão chegar ao alto nível ou não.

- É atualmente atleta do Sporting e também já foi do Benfica, além de ter representado Portugal em inúmeros eventos internacionais?

Qual é a sensação de representar Portugal e clubes com esta dimensão?

 Não há maior honra, responsabilidade e satisfação que representar o Nosso país...

Mais do que o peso da camisola é o peso e responsabilidade de representares a tua Boca e as pessoas da tua Nação.

Em relação aos clubes, posso dizer que se sente a mesma coisa, pois estás a representar toda uma história de uma instituição que tem uma responsabilidade enorme naquilo que foi e é o desenvolvimento do desporto num pais, e toda uma legião de apoiantes com gerações atrás de  gerações de adeptos e fãs que todos os dias vivem e respiram o seu emblema.

- Por vezes pensa-se que ser atleta de alta competição é só facilidades. Para quem pensa isso, diga-nos como é o dia-a-dia de uma semana de treinos normal para o Marco Fortes?

Quem pensa dessa forma não tem qualquer noção do que é a realidade do desporto no nosso país, e menos noção ainda da realidade das outras modalidades que não o futebol.

Não temos vidas fáceis nem de luxo, e tudo aquilo que vamos conquistando vem de literalmente muito trabalho, muito suor e muito sangue.

Muitos e longos meses longe da família, sem fins de semana nem feriados, aniversários, dias Santos, etc.

Vidas de autênticos sacrifícios, tudo para um dia, e se tiveres sorte, conseguires atingir aquele sonho muitas vezes impossível, pelo menos até o conseguires atingir.

Mais do que horas, dias ou semanas descritas, esta é a vida de um Atleta profissional no nosso país, que não sejam aquele 1% dos que realmente chegam ao patamar dos sonhos.

- Em grande parte da sua carreira teve como treinador o Vladimir Zinchenko. No entanto, e é este o caricato da história, quando ele deixou de ter contrato com o Sporting, montou uma oficina de carros para sobreviver, deixando de ter tempo para o treinar…

Conte-nos a importância deste e outros treinadores na sua carreira?

O Wladimir teve a maior importância na minha carreira pois foi com ele que desenvolvi a minha técnica e atingi os maiores resultados, mas houve outros que tiveram tão grande importância, pois sem eles não teria chegado até ao Wladimir preparado para atingir e para atingir esses resultados.

O professor Manuel Vieira, que me iniciou e me fez amar o Atletismo, o professor Gustavo Ventura, que me preparou e me deu as bases que mais tarde utilizei para chegar aos 20 e aos 21 metros antes de os fazer com o Wladimir, e o Professor Shaun Pickering, que me ensinou muita coisa sobre os lançamentos e me levou a conhecer literalmente o mundo dos lançamentos a nível internacional.

É claro houve outros treinadores na minha carreira a quem sou grato ter conhecido e trabalhado, pois sem a visão deles não teria criado a minha.

- Entre os seus títulos e resultados nacionais e internacionais, qual é o feito que mais se orgulha da sua brilhante carreira?

Ter chegado a dois Jogos Olímpicos será sempre o ponto mais alto da minha carreira, mas ter sido finalista e 5º no campeonato do Mundo em 2011 foi realmente a competição que mais gozo me deu, e que me catapultou para o panorama internacional, e não foi só porque correu bem, pois considero que foi o momento em que realmente amadureci como Atleta, e isso levou me a atingir aqueles resultados.

- Qual é o conselho que já aos jovens e crianças que estão na idade de “escolha” do seu desporto de eleição para escolherem o atletismo?

- Apesar de alguns estudiosos acharem que deve de haver uma especialização cada mais mais precoce, eu acho que os atletas devem experimentar todas as disciplinas do Atletismo e no final "deixar os Atletismo escolher" aquilo que devem fazer.

No meu caso adorava fazer salto em altura e barreiras, e mesmo mostrando alguns resultados, a dada altura, tornou-se óbvio que não iria ser um atleta de nível elevado nessas  disciplinas, e acabei por ir para os lançamentos que nem era, no mínimo, aquilo que mais gostava, mas sim onde mostrava mais qualidades.

É preciso ter a sorte de ter acompanhamento de pessoas com a competência para direcionar os atletas com base nas suas características e não por modas de disciplinas.

- Quando terminar a sua carreira no atletismo, espera continuar ligado ao atletismo ou vai mudar-se para outro “ramo de atividade”?

Tenho planos e intenções de manter-me ligado ao desporto, talvez fazer carreira de dirigente, acho que tenho perfil para isso, e mais do que isso, o desporto no nosso país precisa de dirigentes que tenham tido um percurso na alta competição, aliás na minha opinião falta haver essa sensibilidade tanto para perceber como resolver algumas das questões ligadas às necessidades dos Atletas e relacionadas a própria Modalidade.

- Quais são os seus objetivos para 2019?

- 2019 é um ano muito importante para mim, pois o que acontecer nesta época e neste ano, vai definir aquilo que vai acontecer na minha carreira, quero me qualificar para os campeonatos do mundo para poder sonhar em qualificar-me para os jogos olímpicos do próximo ano.

Será um ano cheio de desafios pois só este ano me sinto completamente recuperado das lesões que me têm abrandado nos últimos 5 anos, mas acredito que vou conseguir evoluir até aos meus objetivos.

- Não podia esta entrevista sem lhe falar de um tema que agora deve achar graça, mas que na altura não deve ter tido piada nenhuma… Falo da sua participação nos Jogos de Pequim e das suas declarações sobre “De manhã só é bom é na caminha…”.

Já esqueceu tudo o que se disse na altura ou ainda se sente magoado com o facto de ser mais conhecido por uma simples frase em vez de ser conhecido por ter sido campeão nacional durante 13 anos consecutivos?

 É inegável que as minhas declarações em Pequim me deram uma visibilidade inesperada.

No início até me envergonhava... 

Mas muito cedo aprendi a beneficiar disso, como se costuma dizer "não existe má publicidade..." e posso dizer que essa notoriedade ainda hoje me me dá frutos.

Não considero que seja mais conhecido por essas declarações, pois depois dessas disso alcancei grandes feitos...

As declarações serviram só para virar os holofotes na minha direção, pois caso contrário teriam passado ao lado da opinião pública, como centenas de outros feitos que passam incógnitos.

Talvez esses outros que passam sem ninguém perceber deveriam aprender alguma coisa com o meu caso.

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